1

CRÔNICAS

Causa Mortis

Mário Francisco Oberst Pavelec

   Já contei algumas das “aprontações” do pequeno piá que habitou (ou habita?) em mim. Passamos pela brabeza, as aventuras do pescador, o deslumbre cinematográfico no Cine Inajá, as tampinhas no Júlio Teodorico, as peripécias no campinho de saibro e os banhos refrescantes no Recanto dos Papagaios. Desta vez, o pequeno menino atacou de médico legista.

  Alguns de nossos queridos parentes que transpuseram o plano da existência física para a existência espiritual estão descansando no Cemitério da Colônia Dona Luiza, inclusive meu pai. Não sei ao certo se meu destino final será lá também, mas, desde muito pequeno, por um motivo ou outro, frequento aquele campo santo.               

CD_JA_Feriado_dia_de_finados_cemiterio_sao_jose_novembro_2019-195-1536x1024.jpg

    Provavelmente foi no sepultamento de algum parente, ou em uma das idas até lá para verificar as condições da carneira da família, mas, estava este moleque com seus familiares já de saída, de mãos dadas com sua mãe, muito próximo ao portão principal, e, virando o olhar para sua genitora, dispara:

          — Eu sei do que este homem morreu! — apontando para um túmulo grande, coberto de granito preto.

          — De quê? — pergunta minha mãe, bem curiosa.

          — Cerveja! — rebato eu de bate-pronto.

          — Como assim?

          — Olha ali, tem a marca da Antarctica no túmulo dele. Morreu de cerveja — sentencio.    

    Uma Estrela de Davi, aquela de seis pontas, enorme, ocupava grande parte da lápide, ao lado do nome do cidadão.  Certamente um judeu ali sepultado, resguardado pelos seus símbolos religiosos e sagrados. Esta estrela também era, na época, o símbolo de muitas cervejarias, dentre elas a da Antarctica, que tinha sua fabricação em Ponta Grossa pela Cervejaria Adriática, no final da Avenida Vicente Machado.

       Para as cervejarias, a estrela de seis pontas representava o símbolo da alquimia, posto que, por muito tempo, a ciência cervejeira era um mistério fortemente guardado. O pequeno moleque sempre via esse símbolo nos rótulos que circulavam em sua casa. Ligar a cerveja ao estampado na lápide daquele senhor não foi difícil. Causa mortis: cerveja.

       Me perdoem os judeus, mas eu tinha, no máximo, uns cinco anos de idade.

       Hoje em dia, quando abro uma, geladinha, tomo todo o cuidado para esta não seja a minha causa mortis.

 

Mário Francisco Oberst Pavelec.jpeg

Texto de autoria de Mário Francisco Oberst Pavelec, técnico em agropecuária, natural de Palmeira, residente em Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais (https://cronicascamposgerais.blogspot.com/).