Consta do anedotário que tios-avós paternos meus e outros antepassados – tão mais remotos que o direito civil nem nominou os parentescos – foram pistoleiros na Paraíba, presumivelmente na primeira metade do século que findou. Duas das reses – o pai de meu pai e um irmão mais velho – desgarraram do clã e, se afastando das agruras locais (quando os patriarcas levavam a prole ao circo, distribuíam revólveres aos rapazinhos púberes, reunidos em torno da mesa, para se defenderem das famílias contrárias) se instalaram inicialmente no Estado de São Paulo e depois no Paraná. Meu tio-avô se estabeleceu como próspero dono de supermercado; meu avô, que gostava de mim e eu dele (com melhores razões agora, como se verá), metamorfoseado em gaiteiro lendário no nosso estado, não se fez ouvir pela Fortuna e faleceu precocemente como despretensioso alfaiate (o que houve com a gaita?). Unia os irmãos não serem fugitivos, por não deixarem delitos para trás, podendo fazer de alma leve o muito ou pouco que fizeram, sem nada dever aos tribunais. O que entristecia o mais velho, refletindo sobre a travessia próxima, era não ver a Copa de 94, que logo vinha e Romário colocou no bolso.
Só uma vez, um dos que ficaram veio mapa abaixo para visitá-los. Idoso, enfermo, completamente só, pediu a meu pai que o acompanhasse numa consulta. Na hora de o médico auscultá-lo, meu pai lhes deu as costas, para guardar privacidade, quando ouviu o doutor gritar horrendamente. Ao virar-se, descobriu que seu tio tinha o torso tomado pelos projéteis que sua magreza acolhera em décadas de violência. “Eu mais novo gostava muito de umas feixxtas”, riu entredentes o parente, que pouco viveu depois da cena.
O que este tio pensaria de minha geração, ou mais especificamente de mim, que sem ter levado nenhum tiro em festas faço pouco delas, e ponho para fora sem matá-la uma lagartixa que volta e meia me aparece em casa?
Penso eu que certos costumes, realmente, merecem ter fim.