CRÔNICAS
Sílvia Maria Derbli Schafranski
Eu acreditava tratar-se de apenas mais um idoso com Alzheimer como muitos outros de quem eu já havia cuidado, e logo os fatos me vieram à cabeça: agressão, irritação, mudança de personalidade, paranoia, invenção de coisas...
Quando o conheci, disseram-me que ele se chamava Elias e estava sempre perdido em pensamentos e confuso em relação ao tempo e espaço.
Relatava que tinha trabalhado duro no mercado municipal de Ponta Grossa, vendendo livros, revistas e até bebidas de "casco" reciclável nos idos dos anos oitenta.
Todos os dias, o senhor Elias me pedia para cozinhar verduras e perguntava onde estava o hashi, o qual manipulava com extrema habilidade. Enquanto comia, contava inúmeras histórias. Morara na rua Sete de Setembro, próximo à catedral da cidade. Dizia ter vindo para Ponta Grossa ainda menino só com a roupa do corpo e que agora era viúvo de uma linda mulher chamada Mirtes.
Foi assim que descobri que Elias teve uma vida incrível, plena de aventuras e repleta de viagens. Dizia que, como bom japonês, aprendeu a fazer massagem terapêutica ainda jovem e que conheceu muitos lugares do interior do estado e do país com o time da cidade, que à época adquiria projeção nacional.
Embora sempre confuso, uma coisa era muito evidente: Elias teve uma história de amor verdadeira. Descrevia sua mulher com a mesma paixão de um adolescente e sempre dizia que o segredo de ter alegria na vida era manter-se apaixonado, mas apenas por uma única mulher. Dizia que todo homem só se apaixona três vezes na vida e que a terceira ocorrência é certeira e fulminante.
Infelizmente, o senhor Elias nos deixou há pouco, mas as lições que aprendi com ele ficarão para sempre guardadas. Aquele senhor com Alzheimer (e contrariado quanto ao seu diagnóstico) foi a pessoa mais completa e dócil que encontrei em minha trajetória, pois mesmo distante de sua amada Mirtes, o sentimento e plenitude do amor estavam presentes. E, mesmo frente à ausência da amada, sua história lírica se perpetuava diariamente em suas lembranças sutis do dia a dia.
E, foi no seu velório, que conheci seu irmão Toshio. Este sim, japonês de traços fortes, que orgulhoso comentou: ─ "Hoje, devolvemos ao alto Elias, nosso irmão de criação, certos de que o Céu se embriaga de amor e de harmonia".
Texto de autoria de Sílvia Maria Derbli Schafranski, advogada e Mestre em Ciências Sociais pela UEPG, residente em Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais (https://cronicascamposgerais.blogspot.com/).