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CRÔNICAS

FUNDO DO POÇO

Sueli Maria Buss Fernandes
   A vida já foi muito mais difícil do que é hoje, quando não havia água potável encanada tampouco saneamento básico para as populações de periferia na cidade. Desafortunadamente, algumas pessoas ainda convivem com a falta desses serviços imprescindíveis à saúde. Nasci e me tornei adulta em    Ponta Grossa, no bairro Órfãs, vivendo com água de poço artesiano de onde o líquido precioso era retirado balde por balde amarrado a uma corda. Uma manivela fazia a rotação de um rolo de madeira que baixava o balde até a água e depois de cheio, através da mesma manivela, subiam a corda e a caçamba.
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   Pelas mãos do destino um dia fui morar em Castro e a situação da água seria a mesma que vivi na infância, porém o poço ainda não existia. Iniciamos a perfuração que naquele terreno, por sua constituição, não facilitava alcançar o lençol freático. Um profissional encontrou o melhor lugar para a perfuração usando a técnica rudimentar do galho de pessegueiro. O poço foi sendo perfurado, mas só encontravam pedras. O supervisor da obra decidiu usar dinamite para retirá-las e facilitar o acesso à água. Os vizinhos foram alertados, todos se fecharam em suas casas e a detonação ocorreu. O estrondo enfureceu um enxame de vespas fazendo com que se alvoroçassem e atacassem. Onde estariam elas que nunca foram vistas antes? 
   A obra era executada por três operários: dois na superfície içando os baldes cheios de terra e pedras e os devolviam vazios para o colega que se encontrava no buraco. No dia da detonação todos estavam na superfície, distanciaram-se o suficiente por segurança e aguardavam. No momento do ataque das vespas, todos buscaram abrigo e um deles adentrou ao buraco julgando ser o melhor esconderijo. Contudo as vespas atacaram-no mesmo no subsolo. Gritando, defendia-se dos ferrões como podia. O vizinho ao lado criava galinhas. Assustado convocou os bombeiros para atender a situação criada pelo explosivo e constataram a perda de todas as galinhas. O poceiro foi atendido no PS, sem gravidade. Meu marido voltava do trabalho naquele momento e de longe avistou o carro dos bombeiros. Logo imaginou um incêndio em nossa casa. Um grande susto! O giroflex colaborou para que o evento se tornasse cinematográfico no bairro Santa Cruz. Literalmente chegamos ao fundo do poço. Desistimos de novas tentativas. Mudamos de endereço sem jamais saber se alguém tomou um gole de água daquele poço que marcou nossa história na cidade.
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Texto de autoria de Sueli Maria Buss Fernandes, professora aposentada, residente em Ponta Grossa, escrito no âmbito do projeto Crônicas dos Campos Gerais da Academia de Letras dos Campos Gerais (https://cronicascamposgerais.blogspot.com/).