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Parole

Hashtag: Fale a minha Língua!

Por Edgar Talevi de Oliveira

 

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   Vivemos conectados, quase nunca off-line. Motivos não faltam para isso, com a necessidade de nos mantermos atualizados com os “reclames” televisivos, bem como transmitir e assistir a aulas por meio de ferramentas digitais de diversas plataformas. Enfim, o mundo mudou! Eu, um Millennial, de 1981, considero-me, ou melhor, assumo-me Cringe diante do multifatorial universo digital contemporâneo.
   Brincar com as palavras assume um protagonismo para quem trabalha com Língua Portuguesa, ou até mesmo para quem simplesmente vive a leitura do dia a dia, presenciando a multiplicidade de estrangeirismos, a maioria provinda da internet.
   Ir ao Shopping fazer compras, tirar uma selfie, deletar o namorado ou a namorada, resetar os aparelhos - opa! Alerta de Cringe aqui! -, enviar emojis, emoticons, criar story, compartilhar status, postar reels passaram a fazer parte de nossas vidas

 

digitais sem que percebamos e, de igual modo, conheçamos uma fuga a isso tudo. A verdade é que nosso mundo tornou-se um Metaverso - realidade virtual -, em que as peças se movem digitalmente, sem que tenhamos livre-arbítrio, mas, ao mesmo tempo, controlamos através dos sentidos.
   “Diga o que disserem, o mal do século é a solidão”, disse, uma vez, Renato Russo, em uma época em que as crianças brincavam nas ruas, livremente, com amigos reais, verdadeiros. Mal sabia ele que chegaria o momento em que a solidão faria parte das ruas, pois as pessoas, fechadas em casa, abandonariam este mundo para viver o mundo virtual.
   Pois bem! Chega de desabafo! O que há de mal em penetrar o mundo do “internetês?” Nenhum! Mas houve quem - leigo em Linguagem - quisesse impor, por meio de Lei, um impedimento para que os estrangeirismos, naturalmente surgidos, criados, construídos pela fala desimpedida, livre, democrática, cultural, artística e “atualizada” do povo nas escolas, nas redes sociais, seja por smartphone ou notebook, tablet ou microcomputador, e por diversos meios de comunicação fossem usados.
   Entendamos o contexto e a história: um projeto de lei, que tramitou em março de 2001, na Câmara dos Deputados, queria restringir o uso de palavras estrangeiras e tornar obrigatório o uso da Língua Portuguesa por brasileiros natos e naturalizados e pelos estrangeiros residentes no Brasil há mais de um ano. O projeto regia o ensino e a aprendizagem, em multifacetadas formas, da Língua Portuguesa, mas causava espanto ao tentar censurar o uso livre e democrático da linguagem, patrimônio imaterial, cultural, artístico, subjetivo, sui generis da humanidade. Tratava-se do PL nº 1676, proposto pelo Deputado Aldo Rebelo (PC do B), de São Paulo.
   O projeto foi aprovado na Câmara. Mas, a bem da Língua Portuguesa, de nossos estudantes, de nosso povo, das plataformas digitais, dos nativos digitais, dos Millennials resilientes, dos professores em tempos de Pandemia e da coerência com a vida virtual, digital e moderna, o Senado, após muita discussão, não aprovou o PL.
   Não faltaram contestações sobre a iniciativa descabida do então Deputado. O professor Pasquale Cipro Neto, na coleção Ao Pé da Letra, trata do uso de alguns estrangeirismos e sugere, com um tom suave de humor, que não há substituição para palavras como pizza, por exemplo. Ou seria: “um disco de massa com queijo e molho de tomate?”
   Outros políticos também tentaram cercear nosso Direito à Livre comunicação, tais como o ocorrido na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, que aprovou, em 2011, por 26 votos a 24, o PL 156/2009, que previa a obrigatoriedade da tradução de expressões ou palavras estrangeiras para a Língua Portuguesa.
Como explicar tamanhos descaminhos ao se tratar de nosso bem imaterial mais precioso? A Língua Portuguesa sofre, mas não pela entrada de estrangeirismos, pois são inevitáveis, assim como o são em todos os países em que há democracia vigente e a internet esteja aberta ao uso da população. Um idioma não é um círculo em si mesmo. Viemos do latim vulgar e iremos até onde nossa comunicação nos impelir.
Ismael de Lima Coutinho, eminente autoridade em Filologia, em sua obra “Gramática Histórica”, afirma: “Linguagem é o conjunto de sinais de que a humanidade intencionalmente se serve para comunicar as suas ideias e pensamentos”. E continua: “A linguagem constitui o apanágio do homem”.
   O VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa), produzido e editado pela Academia Brasileira de Letras, documento formal e oficial de nosso idioma, sempre atualiza suas bases, implementando a linguagem do povo, o que inclui os estrangeirismos, gírias e o “internetês”. Nada nos deprecia, ao contrário, valoriza nosso amplo espectro comunicativo.
   O pensamento de que estamos a desvalorizar a Língua Portuguesa pelo uso de palavras oriundas de outros idiomas ou plataformas digitais, implica restrição - com a devida vênia pelo uso do jargão -, das correlações paradigmáticas de sentido, a que o exímio Linguista Ferdinand de Saussure se referia. Temos o Direito à escolha das palavras a serem usadas por nós como objeto inegociável do processo criativo. E mais: ouso lançar mão da famosa Licença Poética a que todos podemos saudar para fortalecer o argumento pró-liberdade de expressão.
   Não existe colonização de um idioma no sentido imperialista. O que sempre houve é a fluência e fluidez com que novos constructos sociais se desenvolvem e se misturam homo e heterogeneamente. A esse sistema, podemos chamar, grosso modo, globalização idiomática.
   Enquanto isso, podemos curtir, sem medo de errar, a linguagem da geração nativa digital, que veio para mudar nosso mundo. Estar on-line é imperativo hoje e no futuro. Estagnar não é opção. Talvez, não consigamos - dirijo-me aos Millennials -, acompanhar na mesma velocidade as mudanças e transformações, mas não vamos Flopar!
   Enquanto escrevo, estou shippando muitas coisas dentro de mim: ideias mil, crônicas a serem escritas. Resisto! O importante é não virar Meme!
Rindo, despeço-me, tuitando, aqui mesmo, uma frase do nada menos que dono do Meta, Mark Zuckerberg: “A internet é um campo aberto. É preciso arriscar. O espaço aqui é livre”.
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Edgar Talevi de Oliveira, licenciado em Letras pela UEPG; pós-graduado em Linguística,  Neuropedagogia e Educação Especial; bacharel em Teologia pela UNINTER; mestre em Teologia pelo SETEPE; membro da Academia Ponta-Grossense de Letras e Artes; autor do livro Domine a Língua - o novo acordo ortográfico de um jeito simples, em parceria com Pablo Alex Laroca Gomes; autor do livro Sintaxe à Vontade - crônicas sobre a Língua Portuguesa; professor de Língua Portuguesa do Quadro Próprio do Magistério do Estado do Paraná; revisor profissional de textos acadêmicos; e articulista de diversos jornais municipais e estaduais.