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Crônicas

Sei maquiar e depilar, mas vou morrer

por LUIZ FERNANDO CHERES

   Quando minha mulher ficou sabendo, quase nos separamos. Ela não queria acreditar em minhas boas intenções: não, não é normal um homem sério, casado, pai e avô de família, inscrever-se num curso para formação de maquiadores profissionais.
      — Justo você, Cheres, você é um zero em habilidades manuais, um verdadeiro gorila! Olha a sua letra como é! Tem jaguarice na história! Por acaso eu sou cega?
       Mas fui firme, muito firme, como nunca tinha sido em anos de vida conjugal. Extremamente desconfiada, ela acabou concordando. Ou melhor, “concordando” não. Apenas permitiu que eu frequentasse as aulas.
      Pois foi, já de início, uma aventura aprender as técnicas para eliminar imperfeições da face. Agora, não sei como me virei por mais de 50 anos sem tal conhecimento! Até um tempo atrás, imaginem, eu jamais pensava na importância estética da hidratação da pele! Os amigos do Morte Lenta Bar
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e Marmitex ainda não entenderam direito a mudança, contudo, no fundo, andam com inveja de mim... Ignorantes, brutamontes, eles não fazem a menor ideia de como é vital uma boa base e a delicadeza na sua aplicação, seja com pincel, seja com os dedos. Prefiro os dedos. Assim experimento melhor a pele... E o blush? Parece-me uma in-sa-ni-da-de a mulher sobreviver sem blush, ou usá-lo como faz o palhaço Paçoquinha! Nas lições, aprendi a caprichar nos olhos, cílios e sobrancelhas: cotonete, lápis, delineador, rímel, eu domino o assunto. Uso essas ferramentas com a mesma destreza com que meus companheiros manejam a chave de roda, o martelo, a furadeira. Tirei 10 em design de sobrancelhas!             
   Cílios com bolinhas de rímel, exagero no uso do delineador, corretivo mais claro que a pele... Atualmente é esse tipo de coisa que observo nas mulheres, se vou a um lugar chique ou a uma festa. E mesmo na rua.
    Nos cansativos estudos, desvendei os mistérios do batom e do gloss. Antes, nunca imaginara quanto trabalho há por trás de um sedento beijo de mulher! Pensando bem, minha esposa saiu no lucro! Vejam só, ela nem reclamou quando lhe disse que estava concluindo também o curso de depilação. Óbvio, somente falei às vésperas da prova final, e na hora em que ela tratava de um problema pelo telefone, um problemão do trabalho que a fez perder noites de sono. E é claro: além de escolher o momento certo, contei muito por cima, omitindo alguns detalhezinhos... Coitada, ela teve que faltar à minha formatura.
       Na verdade, nesse segundo curso, a primeira e maior barreira foi a atitude preconceituosa das colegas, e da própria professora, principalmente nas aulas de depilação íntima. Quanta injustiça! Tive que lhes apresentar a Constituição e brandir variados e irrefutáveis fundamentos jurídicos para provar meu sagrado direito de acesso à educação, pois somos todos iguais perante a lei, e não cabem preconceitos só por eu ser homem!
       Porém, a lamentável ideia equivocada a meu respeito sumiu quando elas conheceram meus talentos. Logo as moças até se divertiam comigo, e mais ainda com os rapazes vigorosos que levei para serem depilados nas aulas práticas. Hoje tenho orgulho de saber usar tesoura, cera, lâmina, creme ou laser. Sim, estou atualizado com relação às inovações tecnológicas. Tudo com igual eficiência. Comigo, meninas, não tem dor, irritação, queimaduras, pelos encravados. As amiguinhas do curso amam meu jeito de aplicar o hidratante...
        Cavada, cavadíssima, moicana, exclusiva, só eu sei qual o tipo de depilação vai deixar bem louco seu namorido!
      Agora falta saber a reação de minha mulher quando ler essa crônica. Isso me deixa nervoso, ofegante. Talvez seja, caro leitor, a última crônica que rabisco nessa Revista. Foi muito bom escrever aqui. Tive vida curta, mas foi bela. Orem, rezem por minha alma. Adeus.
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Luiz Fernando Cheres, escritor, autor de “Um Beijo Longe dos Lábios” e “Amar não é Preciso”, atualmente prepara seu primeiro livro de crônicas. Cheres ocupa a Cadeira 11 na Academia de Letras dos Campos Gerais.