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Crônicas

Um menino, seu pai e o tempo

LUIZ FERNANDO CHERES

    - Lembre dessa rua... Rua Tibagi, por ela você segue da rodoviária ao centro e depois volta sem erro!
     Sim, até hoje lembro, lembro da rua Tibagi, mas principalmente lembro dele me orientando sobre Curitiba. Eu era um moleque de calças curtas, éramos bem pobres, e o carteiro Aparício me levava pela primeira vez para Curitiba, de ônibus. Eu só tinha viajado de trem, a maioria das vezes para Teixeira Soares, terra dos avós maternos. De tal forma que cada detalhe do ônibus, os assentos macios e numerados, a velocidade, tudo me encantou. Para ficar perfeito, faltava a possibilidade insana de correr de vagão para vagão em pleno movimento sacolejante. E outras coisinhas: ônibus intermunicipal não tem vendedor de revistas, de lanche, nem o cidadão furando o bilhete de passagem da gente, ônibus nenhum balança tanto quanto o trem e principalmente não tem vagão emendado em outro vagão. O que não chegou a ser decepcionante.
     Em Curitiba, fomos a pé pela rua Tibagi, desde a rodoviária até o Passeio Público, onde fiquei encantado, eu só conhecia a antiga Praça dos Bichos, aqui de Ponta Grossa. Dei pipoca para os macacos e para os pássaros coloridos, meu guia sabia muita coisa sobre passarinho. E até sobre as árvores do Passeio o danado me contava! Depois almoçamos em algum lugar, não sei mais dizer o nome, uma casinha bem no meio do aglomerado de prédios altos. Recordo que a comida veio em pequenas travessas, e ainda sinto o gosto do feijão, do arroz e do frango. Principalmente, ainda ouço a voz macia daquele homem pedindo ao garçom mais guaraná para o garoto. Ele bebericava sua cerveja, e o menino imaginava-se adulto também, adulto igual o pai, meu pai era tão inteligente, e o guaraná de repente virava cerveja, porque beber cerveja era coisa de homem e eu já era homem. Enfim, pela cor, guaraná e cerveja, era tudo parecido!
    Depois fomos ao departamento público responsável pelos Correios, e lá as mãos paternas assinaram pilhas de papéis, eram mãos firmes, seguras, e pude ver como ele devia ser importante. Nem todo mundo assinava tanto papel!... Aí caminhamos até aquele escritório enorme, e o “seu Aparício” – desse jeito o trataram – parecia ser um sujeito famoso, pois foi recebido pelo homem alto e perfumado, de terno e gravata, que nos ofereceu café. O café estava horrível, contudo eu tinha certeza que não era para qualquer um que eles davam café, assim sem cobrar nada... Passamos pela loja colorida, de onde saímos com a encomenda pedida pela mãe. Na volta, fomos ao Mercado Municipal, e meu pai comprou umas frutas estranhas, diferentes de tudo que eu conhecia em Ponta Grossa.
     - Tua mãe gosta muito disso, piá. Não importa o lugar, aconteça o que acontecer, nunca esqueça de tua mãe.
    Não, pai, nunca esqueci. O “seu Aparício” parecia prever - uns 40 anos depois, o Parkinson o levaria, e à Dona Antônia restaria apenas os cuidados do filho único. Bem, essa já seria outra história...
      A verdade é que, hoje, vi minha filha mais velha, já adulta, e fiquei pensando se consegui deixar para ela a lembrança bonita de algum dia de sua infância. E aí olho para os dois filhos menores, o menino e a menina, esses ainda são crianças, eu sei que é preciso urgentemente viajar mais, viajar de trem, de ônibus, levá-los a um departamento qualquer, ao Passeio Público, mostrar a eles o caminho seguro da rua Tibagi.
      Porque a vida é um trem, um ônibus veloz, e nossa viagem é curta, muito curta.
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Luiz Fernando Cheres, escritor, autor de “Um Beijo Longe dos Lábios” e “Amar não é Preciso”, atualmente prepara seu primeiro livro de crônicas. Cheres ocupa a Cadeira 11 na Academia de Letras dos Campos Gerais.