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MANDA VER

Genealogias e ancestralidades nas Eleições Municipais

por Fábio Aníbal Goiris

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Foto: Divulgação

  As Eleições Municipais em Ponta Grossa transcorreram num clima de grande tranquilidade. Houve um absenteísmo eleitoral de 23,98% (ou 62.213 votos), certamente acima da média esperada. Contudo, a destacada e positiva notícia é a presença de duas mulheres disputando o segundo turno das eleições: Mabel Canto (PSDB) e Elizabeth Schmidt (União). A primeira prefeita da cidade de Ponta Grossa foi eleita em 2020. Tratava-se justamente de Elizabeth Schmidt, então no PSD.  
   ​Nesse contexto, em 1951, elegia-se prefeito de Ponta Grossa o advogado Petronio Fernal, do Partido Social Democrático. A Mesa Executiva da Câmara Municipal, daquele período da história, incorporava, em forma pioneira, uma mulher como vereadora: Cândida Mendes Bras (primeira vereadora eleita pelo voto popular). Passados mais de 70 anos, Ponta Grossa elegeu em 2024 apenas três vereadoras (um ponto a melhorar no futuro). Contudo, em 2025, a cidade terá uma mulher como prefeita (um ponto a comemorar pela segunda vez).

 

   Da análise das eleições, extrai-se o conceito de que o deputado estadual Marcelo Rangel (PSD) sofreu um revés eleitoral ao ocupar o terceiro lugar no pleito municipal. Sua campanha teve contratempos que certamente pesaram nos resultados eleitorais. A pedido do Ministério Público Eleitoral do Paraná (MPE-PR), impugnou-se o registro da sua candidatura. A promotoria alegou que o candidato teve contas reprovadas, referentes ao período em que foi prefeito da cidade. Não obstante, o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) decidiu reverter a decisão em primeira instância da Justiça Eleitoral que tinha impugnado a sua candidatura. Rangel participou normalmente das eleições, mas sua figura já parecia arranhada. Além desse problema, notou-se também que Marcelo Rangel passa por um período de baixa eleitoral, considerando que, na disputa de 2012, na qual se elegeu prefeito, mostrou um invejável desempenho político proselitista ao deixar para trás o candidato Marcio Pauliki(PDT) e vencendo Péricles de Holleben Mello (PT), no segundo turno. Contudo, Marcelo Rangel, com uma votação de 38.815 votos, ou 21,07%, terá um forte peso na escolha da nova prefeita.
    ​Por seu lado, o candidato Aliel Machado (PV), aquele que encarnou as ideias políticas progressistas, parece ter cumprido um papel importante, ao encostar eleitoralmente em candidatos tradicionais do conservadorismo como Marcelo Rangel e a própria Elizabeth. Percebeu-se que Aliel Machado procurou uma via eleitoral possível entre (1) o poder do patrimonialismo conservador (Beth e Rangel) e (2) o poder da política popular/populista de Mabel Canto. Aliás, estas duas formas de fazer política (1 e 2) irão se enfrentar no segundo turno. Conclui-se que as posturas progressistas e de esquerda não têm conseguido até então essa performance de obtenção de votos. Coube, pois, a Aliel Machado (re)construir, nestas eleições, esse caminho certamente possível. Mas foi a candidatura de Aliel também a que enfrentou as maiores dificuldades no sentido ideológico do processo. Não estando ligado à ideologia de direita, restou-lhe trabalhar na corda bamba entre aderir à esquerda ou assumir claramente a postura de centro. Sem sair desta posição equidistante, conseguiu, no entanto, um resultado eleitoral positivo (angariou 35.948 votos, ou, 19,51%). Há o dilema (próprio da cidade) de que ao não optar pelo conservadorismo radical, esta sociedade envereda facilmente na direção do populismo (também conservador). Assim, em Ponta Grossa, os ideais progressistas geralmente ficam a meio caminho.
​    Não custa lembrar que, para Aliel Machado, no segundo turno, resultaria mais fácil se deslocar para uma das candidatas, em razão de que não esteve atrelado a uma posição ideologicamente de esquerda. Contrariamente, os grupos e movimentos meridianamente progressistas e de esquerda que apoiaram Aliel estão em uma posição sem saída. A razão está do lado deles, visto que as duas candidatas pertencem ao campo conservador. A válvula de escape seria o voto nulo ou branco ou ainda o voto de protesto, no número 13. Mas, para os progressistas/esquerdistas nem sequer o chamado “voto útil” (que não é previsto pela legislação eleitoral) poderá resolver o dilema, uma vez que são duas candidatas a prefeita do mesmo espectro ideológico conservador. O escritor uruguaio Eduardo Galeano ironizava que a liberdade das eleições permite inclusive que o eleitorescolha o molho com o qual será devorado. Seja como for: pode-se concluir que, se não optar pela isenção ou desobrigação, a inclinação eleitoral de Aliel Machado, no segundo turno, para uma das candidatas, poderá ser decisiva.    
​Nesse contexto, Rafael Greca, prefeito de Curitiba, utilizando toda sua ironia e esperteza, afirmou que, no segundo turno das eleições para prefeito, não se deve considerar a “ideologia”, mas a inclinação do coração pela cidade (Curitiba). Com isso, Greca tenta facilitar a vida do seu candidato Eduardo Pimentel (PSD), um conservador (cujo vice foi indicado por Bolsonaro) que irá enfrentar uma dura batalha contra outra candidata, Cristina Graeml(PMB), uma bolsonarista, ainda mais conservadora. Este confronto, dizem alguns humoristas, é ‘a cara de Curitiba’.  
​    Nesse universo (pós ‘primeiro turno’), emerge a noção de que a direita conservadora e a postura de centro direita estão em alta no Brasil. Partidos como PSD do Kassab, Republicanos, PL, MDB, entre outros de centro direita tiveram grande performance. Contrariamente, o PSDB desabou nas grandes cidades e só apareceu no pantanal mato-grossense. Saliente-se, entretanto, que, em 2024, o Partido dos Trabalhadores (PT) cresceu 40% em número de prefeituras conquistadas por todo o Brasil. Além disso, cabe esclarecer, aos mais afoitos, que querem ligar ou relacionar estas eleições municipais com o ano 2026, que, como disse o próprio Gilberto Kassab: a reeleição do Presidente Lula não depende dos prefeitos, depende mais dele, do governo dele e, naturalmente, das suas alianças…
​   Por fim, é preciso retroceder na história para entender as eleições municipais em Ponta Grossa. O segundo turno trará novamente um embate entre Elizabeth Schmidt (União) e Mabel Canto (PSDB). Uma vista rápida pela história da cidade pode lançar alguma luz sobre aspectos essenciais deste embate eleitoral. Elizabeth Schmidt, formada em Pedagogia, descende (ou pelo menos está inserida dentro) de uma estrutura (ou uma infraestrutura, como diz Marx), onde a vida econômica e política da cidade se baseia no conservadorismo, no liberalismo econômico utilitarista e na oligarquia de cunho autoritário. Exemplos não faltam e estes se sucederam no tempo: sesmarias, latifúndios, coronelismo, aristocracia rural (todos sustentados em parte por um regime escravocrata). A seguir o governo Vargas, o integralismo, o regime militar, entre outros ciclos autoritários, que edificaram uma ideologia que permanece incólume até os dias de hoje. É neste contexto de economia liberal e práxis autoritária onde emerge o grupo de Elizabeth Schmidt, atrelado inclusive ao bolsonarismo.
​   Por outro lado, a deputada estadual Mabel Canto (PSDB) está inserida em um processo que combina uma performance popular com elementos populistas. Genealogicamente, Mabel é oriunda da classe média (não inserida, portanto, na infraestrutura econômica dominante descrita acima). Esse pertencimento à classe média, no entanto, possibilitou sua graduação em Direito e sua eleição como deputada. A candidata Mabel Canto trabalha eleitoralmente nas periferias mais antigas de Ponta Grossa. Não obstante, escolheu, para sua vice prefeita, a conservadora ruralista e bolsonarista Sandra Queiroz. Não é compreensível que um grupo que se diz popular escolha uma candidata a vice com as suas credenciais completamente voltadas à direita. É preciso lembrar que o pai de Mabel, Jocelito Canto, já tinha feito o mesmo percurso da filha com notável êxito eleitoral. Jocelito elegeu-se deputado estadual em 1994 e, em 1996, prefeito de Ponta Grossa. Dedicou grande parte do seu mandato ao atendimento das camadas mais carentes da população. Contudo, essa performance não tinha caráter ideológico, mas um viés conservador e populista (diferentemente da trajetória ideológica progressista edificada por Péricles de Holleben Mello, do PT). Esta característica conservadora, popular e também populista, certamente paradoxal aos olhos dos progressistas, passou para a sua filha Mabel Canto, que se tornou avessa ao pensamento de esquerda.
​    Assim, o segundo turno será um embate bastante acirrado, onde, sob a aparência de um confronto igualitário (tal como foi demonstrado eleitoralmente entre as candidatas no primeiro turno), há muitas diferenças e diversas nuanças antropológicas e sociológicas (mas não ideológicas). Isto demonstra a complexidade da política nos Campos Gerais. Contudo, uma coisa é certa: a direita e a extrema direita estão na ordem do dia. Um exemplo disso é que mesmo tendo sido dividido esse eleitorado conservador em duas partes (Beth versus Rangel), ambas as candidaturas, se somadas, se mostrariam receptoras de nada menos que 48,58% dos votos, faltando pouco mais do que 1% para uma vitória em primeiro turno. Sem contar, obviamente, o extraordinário eleitorado conservador de Mabel Canto.
​   Pode-se concluir que a genealogia política, que não prescinde de elementos do passado (histórico e ideológico), não importa quanto tempo tenha transcorrido, consegue facilmente se confundir com o presente e, mais ainda, pode chegar a delinear (para o bem ou para o mal) o futuro político e econômico da cidade.

 

FABIO ANIBAL JARA GOIRIS - escritor - paraguay - PORTALGUARANI.jpg

Fabio Anibal Goiris  é professor da UEPG, graduado em Direito, Mestre em Ciência Política pela UFRGS e autor do livro“Estado e Política: a História de Ponta Grossa”.