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MANDA VER

Zona de Interesse
Uma obra devastadora, vanguardista e penetrante

por Ulisses Iarochinski

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 Sim, assisti ao filme Zona de Interesse! Sim, acompanho diariamente na internet o genocídio em Gaza! Sim, leio todos os dias em diversos sites sobre os ataques da invasão russa!
   E observo também, nos telejornais brasileiros, a proteção excessiva ao governo de Israel. Vejo o comandante das Forças Armadas Israelenses fazendo pronunciamentos sóbrios e comedidos, sempre com uma expressão natural. Assim como testemunho o ministro das Relações Exteriores de Israel, de maneira jocosa e irresponsável, criar piadas - os chamados memes - contra o presidente brasileiro Lula.
 Tudo isso acontece com uma aparente tranquilidade!
   Exterminar um povo, diga-se de passagem, não é privilégio exclusivo dos nazistas ou dos sionistas. No

 

passado, com as bênçãos do Papa devasso Alexandre VI, os espanhóis católicos exterminaram as civilizações Araucana no Chile, Inca no Peru e Asteca no México. A única exceção foi a Maia da América Central, que já havia desaparecido da face da Terra.
   

 

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   Mas sim, assisti ao filme Zona de Interesse. Confesso que fiquei intrigado com o título desde domingo (10/3/24), quando este filme ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2024. Em polaco, intitulado Strefa Interesów, em inglês The Zone of Interest, e em português tenho lido como Zona de Interesse. Para mim, todos ambíguos, já que a divulgação do filme informa que se trata de uma família que vive além do muro do Campo Alemão Nazista de Concentração e Extermínio, na cidade polaca de Oświęcim, mundialmente conhecida como Auschwitz.   
   Fui encontrar no texto do jornalista polaco Łukasz Mańkowski, do portal onet.pl, a origem do título, "a 'zona de interesse' (do alemão Interessengebiet) que se referia à área de 40 km ao redor do Campo Auschwitz. Foi daí que, em 2014, o escritor Martin Amis escreveu um livro com o mesmo título.”
   Esse livro serviu de ponto de partida para o filme de Jonathan Glazer. O cineasta britânico buscou expressar sua visão sobre a crueldade do genocídio nazista ao reduzir a “zona” presente no título a imagens da vida cotidiana, apenas um registro trivial de uma determinada família privilegiada, desligada do mundo que existe ao seu redor.
   O resultado do trabalho artístico do cineasta se traduz em sequências com um ritmo singular. Glazer, com a ajuda de uma centena de produtores e técnicos polacos, criou uma obra devastadora, vanguardista e, acima de tudo, penetrante. Sim, porque aquele andamento britânico de imagens calmas e belas, captadas pelo diretor de fotografia polaco Łukasz Żal, vai consumindo o espectador, que espera por um desfecho, no mínimo, violento.
   Apesar da estética marcante, do forte simbolismo e da constante tentativa de perturbar a área de conforto do público por meio de sons, ruídos, barulhos, gritos e latidos que ecoam ao longe, o filme é uma obra profundamente conectada ao presente.
  Confesso que, durante a projeção, a vontade é sair da sala, pois aquele barulho surdo vai penetrando, incomodando...
   "O que estou fazendo aqui? Onde estão as imagens fortes dos crematórios, das câmaras de gás, dos fuzilamentos? Mas afinal, este não é um filme sobre o Holocausto?"
   São perguntas que insistem em surgir na mente. E o diretor, com esse filme aparentemente tranquilo, está fazendo uma acusação. Não apenas para os personagens do filme, mas para mim, para você que me lê.
   Ao retratar a indiferença do comandante alemão Rudolf Franz Ferdinand Höss e sua família diante do que está acontecendo atrás daquele muro de tijolos vermelhos, ele também está falando da indiferença de todos nós diante dos conflitos que assolam o mundo, como as mortes na Ucrânia e o genocídio de crianças, mães e idosos em Gaza. 
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 O filme Zona de Interesse é apresentado como um drama familiar comum. A verdadeira mensagem emerge do que está em segundo plano, nos sons e na cuidadosa representação da banalidade do mal que o diretor encontra na dinâmica do cotidiano, na vida aparentemente comum dos monstros da humanidade.
  Se não fossem os sons na abertura do filme, junto com o quadro claramente esticado e o título, não saberíamos que se tratava de um retrato cinematográfico do Holocausto. Rudolf, Hedwig e seus filhos vivem próximos ao Campo de Concentração e Extermínio de Auschwitz. 
As paredes da casa dessa família alemã são literalmente as paredes da mais sinistra fábrica da morte. Enquanto o filme nos mostra crianças correndo no quintal verde, a esposa regando seu canteiro de flores, ou mostrando aos convidados o impressionante jardim que cultiva, também se ouvem sons surdos de sofrimento (tiros, gemidos, gritos) que ocorrem atrás daquelas paredes límpidas e claras. Não há nelas nenhum rabisco, mancha de mofo, ou sangue. Tudo é limpo e perfeito. O horror está nos olhos de quem vê, amplificado pela música pulsante do compositor Mica Levi.   
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   Esse é um filme que busca a irrepresentabilidade, ou seja, utiliza a linguagem cinematográfica para capturar o que parece ser impossível de apreender, impossível de transferir para a tela do cinema, da TV, ou mesmo para o pequeno espaço de exibição do telefone.
   O desejo evidente do diretor é retratar o holocausto em sons, a arrogância dos criminosos, a inconsciência e os motivos capitalistas por trás dos planos de extermínio.
   A essência da banalidade do mal, descrita por Hannah Arendt, é retratada nas sequências que enfocam o discurso sobre os negócios. Como na cena em que os nazistas estão discutindo os meios de melhorar o funcionamento do campo de extermínio, para que o expurgo ocorra mais rapidamente e gere menos perdas econômicas para o Reich, ou naquela cena em que Höss ostenta o dinheiro que recebe por estar naquela zona de interesse.
   Sem dúvida, esse filme veio ocupar um lugar na atualidade, onde movimentos neonazistas, evangélicos pré-cristãos e sionistas dominam os discursos, as notícias e, em muitos casos, estão muito próximos de nós. Antigos amigos e familiares que, de uma hora para outra, se revelam como pessoas más, ignorantes e desconectadas do amor, onde só o ódio e a intolerância as movem.
Primo Levi escreveu: "Existem monstros, mas são poucos para serem perigosos. Os mais perigosos são as pessoas comuns que estão dispostas a agir sem fazer perguntas."

SOBRE HÖSS

 

   Ele nasceu em 1901 em Baden-Baden. Em 1929, casou-se com Hedwig Hensel, com quem teve 5 filhos. Ele serviu, por quase dois anos, como comandante de Auschwitz. Ele foi um dos responsáveis por testar, e depois implementar, vários métodos de matança, entre eles a introdução do pesticida Zyklon B, para executar o plano de Adolf Hitler de extermínio.
   Em 25 de maio de 1946, Höss foi entregue às autoridades polacas e para o Supremo Tribunal Nacional. Seu julgamento durou de 11 a 29 de março de 1947. Em 2 de abril, foi sentenciado à morte por enforcamento. A sentença foi executada quando ele tinha 46 anos, no dia 16 de abril de 1947, na entrada do que fora o crematório 1 do campo de concentração e extermínio alemão nazista de Auschwitz I.
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Ulisses Iarochinski, jornalista, professor, radialista, ator, diretor, mestre em Ciências Culturais, natural de Monte Alegre/Harmonia (Telêmaco Borba) e escritor de diversas obras, entre as quais Polacos do Brasil- a etnia em números e sobrenomes, seu último livro, do qual se extraiu esse texto entre as páginas 444 e 450