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PG 200 ANOS

Oficinas

por Miguel Sanches Neto

Time do Operário Ferroviário na década de 30

 

  Para quem cruza a linha de trem, para quem se afasta do Centro, para quem vai em busca da Capital, em um dos dorsos desta colina cheia de ramificações sobre as quais se constroem as principais vias da cidade, para quem busca as muitas fábricas, para quem exerce os muitos ofícios – Oficinas e adjacências. O hemisfério fabril. E febril. 
   Que trabalha sem descanso, ônibus lotados de cidadãos que acordam cedo ou passam a noite no serviço, novos produtos que saem daqui com destino ao mundo vasto mundo, a cidade que se dispersa, que acolhe novas formações técnicas, multiplicando empregos. Em meio ao burburinho, crescem os loteamentos, os conjuntos e condomínios, bairros se alongam à margem dos trilhos, das fábricas e do comércio. É a outra cidade, estrangeira e moderna,
com quatro turnos, sempre alerta. E tudo começa/começou em Oficinas, com a manutenção das máquinas da rede férrea. 
   Em um canto, a Colônia Dona Luíza, o extinto Seminário Verbo Divino, e logo ali o Presídio, mas também as uvas e vinhos da família Sozim, porque nem tudo é labuta, tarefa - há também a festa. 
    Nenhuma maior do que a do Operário. O Germano Krüger é o outro centro da cidade, e mesmo quem não gosta desta arte, como o meu caso, torce para o imorredouro Fantasma. Assim, a urbe se concentra no estádio que, embora pequeno, embora modesto, cresce para ser o umbigo de nosso universo. Porque se há o cansaço nas fábricas, se há os crimes mil no presídio, também há a alegria do vinho e o prazer de mais uma partida. Eis as bandas de Oficinas. 
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Avenida Visconde de Mauá, na década de 20

 

CONFIRA ‘NOVA RÚSSIA’ AMANHÃ NESTA SEÇÃO

 

De poeta e louco, todo

mundo tem um pouco

por Eduardo Gusmão

   Quem conhece mais de perto Péricles de Holleben Mello, ponta-grossense por demais convicto de seu amor incondicional por esta comunidade que ele definiu como Cidade Viva, desde sua incursão como político no auge de sua carreira, deve saber de seu talento inerente para escrever poesias. Assim, pelos idos de meados dos anos 70, quando frequentava Letras Português/Inglês pela UEPG, conheci Péricles já formado em Engenharia Civil pela UFPR, em momento que retornava em definitivo para casa de seus pais em PG, frequentando ainda em sua plena juventude alguns barzinhos de então pelos arredores de nossa amada UEPG, aliás, a única instituição de ensino superior à época.

   Como jornalista ainda provisionado, pois não havia nem sinal de curso de Jornalismo por aqui, já trabalhava em revista fundada em Castro, a VUP, por meu inesquecível amigo jornalista Fernando Silvio Roque de Vasconcelos, juntamente com o empresário Izidro Constantino Guedes. Nascia a partir daí uma amizade que já conta algumas décadas. Bem, tudo isso pra dizer que Péricles Mello era e ainda nutre verdadeira paixão por leituras em diversos segmentos do conhecimento humano, entre os quais a Literatura brasileira e universal, naturalmente. Tanto que um de seus poemas mais aplaudidos pelos amigos se intitula Biblioteca, além de Imanência, premiada em concurso de poesias em nível nacional, entre outros textos também premiados.

  Enfim, enquanto levava meu curso de Letras, pois residia em Castro, vindo de ônibus diariamente para estudar, fui conhecendo outros amigos e amigas que tinham vocação literária e musical, nascendo daí um grupo que resolvemos denominar de Musiliterário e, pouco mais adiante, de Cooperarte (Cooperativa de Arte de Ponta Grossa), com acolhida em encontros marcados pelo SESC local. Foi daí também que, ainda pela revista VUP, surgiu um movimento literário que ‘batizamos’ de Contraponto, que ganhou destaque com a seguinte chamada de capa: De poeta e louco... quer dizer, todo mundo tem um pouco.

    Resumo da ópera, como dizem: Sem ainda se envolver de corpo e alma pela militância política partidária em plena ditadura militar, Péricles de Holleben Mello, em agosto de 1977, começou a lecionar pelo recém criado curso de Engenharia Civil da UEPG, cujo ambiente lhe proporcionou conhecer professores e autoridades universitárias da época, a exemplo do professor e primeiro reitor Alvaro Augusto Cunha Rocha, que, conhecendo-o mais de perto, passou a chamá-lo de poeta bissexto. Então, para lançá-lo de vez como talento de versos que revelam sua verve literária, TANOTIPO publica nesta seção, com exclusividade, um de seus mais belos poemas: Milonga perdida. Mas toda essa história não para por aqui, porque toda a produção poética de Péricles vem sendo trabalhada para lançamento de seu primeiro livro, que se espera não seja uma obra bissexta.   

MILONGA PERDIDA

 

Cidade triste
Tecer contigo a relação cotidiana
Até o alto da Catedral
Desde o baixo das Uvaranas.
 
Rondar contigo pelas
Tardes lentas
Afugentar a dor que me sustenta
E pelas lágrimas de um
Antigo amor
Buscar tuas veredas
 
Desta varanda de onde te vejo
Adormecida
Voltar sozinho do meu cansaço e medo.
 
Mais uma vez tuas ruas
Teus olhares secretos
Cantos que só eu sei.
Te caminho pelo
Dorso iluminado.
Te suplico que venhas
Ao meu encontro
Com teus meandros de fel
Com tuas manhãs de sábado
Teus barulhos, teus baldios.
 
Se te persigo cidade
- é sombra de velha sina
Talvez tua água ou o vento
Teus telhados nas colinas
Os engasgados silêncios.
 
Quando te cruzo cidade
Alguma coisa por dentro
Anseia uma outra cidade
E se insurge contra o tempo.
 
Cidade triste
Há lamentos nos bares
Nenhum murmúrio nas praças.
Operários sem rumo
Sucumbem ao pós das fábricas
E penduram seus sonhos.
Nas vilas abandonadas
Dias de tédio que passam.
 
De noite em Uvaranas
Quando a lua se inclina
Brotam amores curtos
Na rude solidão
Dos quartos proletários.
Que restará da manhã?
 
Cidade triste
Procuro em tuas ladeiras
A milonga perdida.
Sinto os meus passos.
Teu pulsar se alastra
Em minhas entranhas.
A cidade que respiro é a última.
 
Péricles H. de Mello